O TikTok e autoridades dos Estados Unidos, Canadá e Europa vêm protagonizando cenas dignas de filmes de espionagem. Nos últimos meses, diversos países reforçaram suas estratégias para restringir o acesso ao aplicativo da empresa chinesa ByteDance, sob o pretexto de garantir a segurança nacional. No fim do ano passado, os EUA elevaram o tom e aumentaram a pressão para que a ByteDance venda sua participação no app.
O uso do TikTok em dispositivos oficiais já foi banido pelos governos americano e canadense, e também pelo braço executivo da União Europeia. Um comitê da Câmara americana foi ainda mais longe, e sugeriu o banimento do TikTok de todos os celulares do país. Mas, afinal, o que está por trás da guerra entre governos ocidentais e o aplicativo chinês que, em pouco tempo, caiu nas graças de mais de um bilhão de usuários em todo o mundo?
Segurança de dados e suspeitas de espionagem
O Departamento de Justiça americano investiga se a ByteDance está espionando cidadãos e jornalistas da área de tecnologia. Autoridades ocidentais têm demonstrado preocupação com a possibilidade de o TikTok fornecer dados confidenciais dos usuários ao governo chinês, já que algumas leis permitem ao governo do país asiático exigir que empresas e cidadãos forneçam dados secretamente para operações de coleta de informações.
Felipe Zmoginski, que é CEO da consultoria especializada em China Inovasia, diz que, de fato, as redes sociais podem contribuir com estratégias de espionagem e representar riscos à segurança nacional, mas que este não é um problema exclusivo do TikTok ou de outros aplicativos chineses. “Em tese, todas as big techs, de quaisquer origens no mundo, representam uma ameaça à soberania nacional, porque elas têm acesso a muita informação e muito poder de manipular a opinião pública”.
Um caso emblemático que ajuda a compreender a dimensão do poder das gigantes da tecnologia é a história do analista Edward Snowden, ex-colaborador da NSA que revelou, em 2013, que Facebook, Google e Microsoft repassavam, sem autorização judicial, informações de usuários para órgãos do governo americano. “Havia ali, portanto, um caso de espionagem feita por big techs americanas, a pedido dos Estados Unidos, o que mostra que essas empresas têm realmente muito poder e podem ser uma ameaça à democracia. A sociedade precisa urgentemente discutir como regular isso de forma efetiva”, avalia o especialista.
A opinião de Zmoginski é compartilhada por outros críticos dos esforços que vêm sendo feitos para banir o TikTok. O Fight for the Future, grupo de direitos digitais sem fins lucrativos, lançou a campanha #DontBanTikTok, pedindo a criação de leis de privacidade de dados que se apliquem a todas as big techs.
Guerra geopolítica e comercial
O fato de o TikTok pertencer a uma empresa chinesa parece ser o grande “X da questão” de toda essa batalha. A ascensão meteórica do aplicativo fez com que ele passasse a disputar o mercado de publicidade digital com gigantes como Google e Facebook, tirando o dinheiro que ficaria em companhias americanas e direcionando-o para uma big tech chinesa. “O sucesso do TikTok representa uma ameaça à estratégia americana de controlar o setor de tecnologia, e mostra que a China pode desafiar os EUA em uma seara mais sofisticada da indústria”, analisa Zmoginski.
Segundo o especialista, o episódio se assemelha em muitos aspectos à batalha travada pelos EUA, alguns anos atrás, contra a também chinesa Huawei, que se destacou no mercado de conectividade 5G e acabou ganhando contratos que tradicionalmente seriam fechados com players ocidentais, como Siemens e Cisco. “Há uma mistura de interesses geopolíticos e comerciais. Quando empresas americanas não se mostram capazes de competir com essas big techs chinesas, como a Huawei e a ByteDance, lança-se mão desse tipo de artifício. Repito: o problema de vazamento de dados pode existir, mas o TikTok está sendo usado apenas como um pretexto. Os EUA não têm problemas, por exemplo, em colaborar com empresas de Israel ou da Arábia Saudita que estão envolvidas em casos de violações de direitos humanos ou espionagem, porque ali há uma conveniência comercial, mas neste caso existe um interesse em bloquear a ascensão da China”.
Ainda não é possível saber como funcionaria um possível banimento do aplicativo em telefones privados, mas os Estados Unidos podem impedir que o TikTok venda anúncios ou faça atualizações em seus sistemas, inviabilizando seu funcionamento. Indiretamente, essas medidas podem, inclusive, impactar o uso do aplicativo em outros mercados, como no Brasil.
Segundo Zmoginski, isso pode acontecer caso os EUA aprovem alguma legislação que preveja sanções a empresas de outros países que colaborem com o TikTok. “Determinar, por exemplo, que uma agência de publicidade que faça negócios com o TikTok não pode anunciar no Facebook ou no Google, que são empresas americanas, é uma forma de tentar matar o TikTok em todo o mundo. Na prática, você tira do jogo o único grande competidor não americano do mercado de publicidade digital brasileira”.
Reações
Na última quinta-feira (23), o CEO do TikTok, Shou Zi Chew, começou a ser interrogado pelo Congresso americano, e afirmou que o aplicativo tem realizado mais investimentos em segurança. Na abertura da audiência, a presidente do Comitê de Energia e Comércio, Cathy McMorris Rodgers, declarou que “o TikTok escolheu, repetidamente, o caminho de mais controle, mais vigilância e mais manipulação” e que a plataforma “deveria ser proibida”.
Diante do impasse, o TikTok vem considerando a possibilidade de se desvincular da ByteDance, mas o governo chinês já declarou que vai se “opor firmemente” a uma venda forçada, e ressaltou que qualquer negociação envolvendo o TikTok precisa ser aprovada pelas autoridades do país.
Na véspera do depoimento de Chew ao Congresso dos EUA, o TikTok anunciou que atingiu a marca de 150 milhões de usuários no país, e pediu que os americanos expressem publicamente seu apoio à plataforma. Dezenas de influenciadores foram enviados a Washington para participar de uma campanha a favor do TikTok.