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Canibalismo, prepotência ou medo?

O declínio da Kodak aos olhos de sua própria inovação

– Estava calor em janeiro de 2005 e eu me lembro de convidar os amigos para um passeio na praia, já que era época de férias. Além do clássico par de Melissas transparentes, o item essencial para os registros do dia de sol era a câmera digital prateada. O verdadeiro xodó da família, usada sob mil recomendações do meu pai, que repetia: “leve com cuidado e volte com ela para o mesmo lugar.”

Se você se esforçar – só um pouquinho – conseguirá resgatar alguma memória semelhante à minha. Por mais que você tenha vivido a fotografia analógica, em várias de suas fases, a digitalização do “click” que eterniza momentos, transformou a maneira de nos relacionarmos com as imagens. 

Escutei, em algum podcast sobre o tema, que nunca vivemos uma era com tanta produção de fotografias. Em contrapartida, nunca se imprimiu tão poucos registros em papel. 

Mas qual foi a história que nos trouxe até aqui? E quem foram os protagonistas permanentes – ou quase – que desenharam estes capítulos da digitalização? 

O primeiro registro fotográfico está datado em 1826 e é atribuído ao francês, Joseph Niépce que conseguiu “gravar”, numa placa de estanho, a imagem do quintal de sua casa, de frente para sua janela, em Borgonha, na França. 
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Aos poucos e a partir de vários nomes, a fotografia tomou os rumos da evolução. Alguns personagens tornaram esse enredo ainda mais especial. Mas, hoje, vamos falar da Kodak.

De uma ideia para a revolução de uma era

George Eastman era atendente de um banco quando começou a trabalhar com o desenvolvimento de placas metálicas com emulsões de sais de prata, sensíveis à luz, com o objetivo de gerar imagens. Para quem não sabe, este é um dos métodos da fotografia moderna. E acabou virando o primeiro produto da Kodak. 

Desde o seu nascimento, em 1888, a empresa foi reconhecida por diversas inovações. Uma delas é a popularização da fotografia amadora, com o lançamento de câmeras compactas e simples de serem usadas. O usuário tirava as fotos, enviava a câmera inteira para a companhia, que devolvia seus registros e um novo filme fotográfico – que também foi inventado por ela – já instalado no equipamento.

Com o slogan “Você aperta um botão e nós fazemos o resto”, a Kodak mudou a forma como nos relacionamos com o universo da fotografia, em todos os sentidos, inclusive com a produção e distribuição de câmeras mais baratas.

O “bum” do digital

Imagine descobrir e desenvolver uma tecnologia revolucionária, capaz de transformar uma era, mas ser impedido de colocá-la em prática? Em 1975, Steven Sasson, engenheiro da Kodak, inventou a primeira câmera digital, pesando 3,5kg e do tamanho de uma torradeira elétrica. Entretanto, ela nunca passou de um protótipo, já que a diretoria julgou que essa evolução seria a canibalização de seu “carro-chefe”. O filme. 

A patente permaneceu como propriedade da empresa até 2007, quando parou de lucrar pelo feito. Mas, em termos de competitividade, por interromperem os estudos e demorarem a voltar às pesquisas para o desenvolvimento de produtos compatíveis com a nova tendência de mercado, ela perdeu espaço para outras marcas como Canon, Sony e Nikon. 

Controlar ou ser controlada: o declínio pelo medo 

A estratégia de controlar o mercado fotográfico parecia boa num primeiro instante. A Kodak vendia as câmeras e os filmes e, além disso, lucrava com a revelação em suas próprias lojas. Por um tempo, este processo a manteve líder em relação à concorrência. Mas a “falsa” sensação de segurança foi crucial para a queda da norte-americana, que em 2012 – após muitos altos e baixos – decretou falência. 

É verdade. A Kodak não deixou de existir. Em 2013, após vender quase todas as patentes, ela apostou em segmentos variados como embalagens, serviços de impressão e desenvolvimento de tecnologias para telas de toque. Além disso, chegou a lançar um smartphone, acessórios para celulares e – mais recentemente, em 2020 – anunciou investimento na produção de ingredientes para medicamentos. 

Mas quais ensinamentos o processo de crescimento e queda desta gigante apresenta? 

A análise precisa estar relacionada com cada fase da empresa. Do seu nascimento, até seus “anos de ouro”, ela investiu pesado em se manter relevante para o público. Democratizou o acesso à fotografia, facilitou o processo de impressão e investiu em aprimoramento dos seus produtos. 

Entretanto, quando percebeu que sua inovação “descredibilizava” a continuidade de produtos muito lucrativos, declinou, acreditando – de forma prepotente – que a invenção não chegaria ao público de outras maneiras. 

Neste aspecto, identificamos que a segurança de liderar o mercado também produz um sentimento controverso ao ímpeto do crescimento. O medo. 

O poder da adaptabilidade 

Na contramão do medo, há um outro estado de espírito capaz de oferecer um processo menos impactante, mesmo em momentos difíceis. A adaptabilidade. 

É a partir da possibilidade de se adaptar às transformações que pessoas e negócios reorganizam seus passos estratégicos e tomam decisões importantes. 

Este processo precisa estar atento aos fatores internos e externos. Isso porque, nem toda novidade surgirá a partir de mecanismos descobertos ou criados dentro da organização. 

Um forte exemplo desta teoria é a própria pandemia enfrentada nos últimos anos, que sem aviso prévio, obrigou a gestão de adaptação em todo o mundo, inclusive no âmbito empresarial.

Na prática, o caso Kodak mostra o quanto a jornada pode sofrer pontos de virada implacáveis na definição de roteiros heroicos ou catastróficos, baseados em momentos de decisão. 

De gigante e especialista em um nicho promissor, ela “sobreviveu” apostando seu capital em segmentos pouco personalizados, desacreditando a autoridade bem construída – por tantos e tantos anos – a partir do pioneirismo e da inovação.

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