Atire o primeiro currículo quem nunca saiu se candidatando a várias vagas de uma vez só pela internet. Querer trocar de emprego ou se recolocar no mercado de trabalho após um período ocioso é normal, mas a ansiedade, muitas vezes, atrapalha quem busca uma nova oportunidade profissional.
Nesta edição do “Manual do Colaborador Peça-Chave”, conversamos com a orientadora de carreira e especialista em desenvolvimento de pessoas Adriana Cubas. À frente do maior canal de empoderamento profissional do YouTube no Brasil, ela dá dicas importantes para quem busca uma vaga de emprego e aponta tendências para o mercado de trabalho em 2023.
Adriana, o que as pessoas devem levar em conta ao se candidatarem a uma vaga?
A primeira etapa de como se candidatar para uma vaga parece muito simples, mas na verdade não é. Porque cada vaga tem a sua especificidade, e é importante que a pessoa leia com atenção o que a vaga está pedindo. Isso pode parecer óbvio, mas muitas vezes, na ânsia de conseguir uma recolocação, um emprego, o candidato se atenta apenas ao nome da vaga, aos benefícios ou ao valor do salário.
É preciso prestar atenção no que as empresas pedem não só em termos técnicos, mas em termos comportamentais. “Será que a minha bagagem profissional e as competências adquiridas até agora são suficientes para eu ser competitivo para essa vaga?”. Essa é a primeira pergunta que a gente tem que se fazer. Se a resposta for “sim”, é hora de olhar para o seu currículo e entender se ele está comunicando exatamente aquilo que a empresa deseja para a vaga, com palavras-chave e informações complementares. Isso não significa fazer um currículo para cada vaga, mas adaptá-lo para que ele fique mais alinhado com o que a empresa pede. É um trabalho mais assertivo e estratégico.
Currículo selecionado, etapas online cumpridas, chega a hora da temida entrevista. Quais os principais erros que os candidatos cometem nessa fase?
Sem dúvidas, não se preparar para a entrevista antes. Não adianta achar que na hora você vai saber responder tudo de cor, porque só precisa falar sobre o que está no seu currículo, sobre a sua trajetória. Na hora da entrevista, bate a ansiedade, o nervosismo, e aí acontece aquele clássico: “dá branco”. Você acaba não lembrando de nada do que já fez e dá respostas extremamente rasas, superficiais.
Foi chamado para uma entrevista? Maravilha, é hora de rever a vaga. Uma dica que eu costumo dar é: ao se candidatar a uma vaga, tire um print por precaução. Há momentos da vida em que aplicamos para tantas vagas que, quando ligam nos chamando para uma entrevista, nem lembramos de qual empresa se trata. Com o print em mãos, é possível rever os requisitos para a vaga e ir atrás de mais informações sobre a empresa. Isso ajuda o candidato a ressaltar, durante a entrevista, que ele entende com bastante propriedade a rotina daquela vaga e tem experiência suficiente para conquistá-la.
É impossível ignorar a importância das redes sociais nos processos seletivos atualmente. Existe um manual de etiqueta básico para se portar nessas plataformas e não colocar oportunidades profissionais em risco?
O problema não são as redes sociais em si, mas como você as utiliza, porque, de maneira geral, elas são muito positivas. O próprio LinkedIn é uma grande vitrine profissional quando bem usado, mas realmente precisa haver uma etiqueta, porque muitas empresas olham, sim, as redes sociais dos candidatos e candidatas, e não só o LinkedIn. Não adianta ser impecável por lá e, por exemplo, xingar todo mundo no Twitter. Aliás, essa postura não é adequada nem para o trabalho, nem para a vida.
O ideal é evitar usar as redes sociais como um muro de lamentações, para desabafar ou falar mal dos outros. As empresas hoje querem não só bons profissionais, mas boas pessoas. Então, para que arriscar? Vamos ser boas pessoas na vida. Atacar os outros via internet não leva a nada.
Algumas pessoas têm dificuldade em se recolocar no mercado depois que perdem o emprego ou que tiram um período sabático. Essa lacuna no currículo pode prejudicar o candidato?
Cada caso é um caso. Tem empresas que entendem, por exemplo, se a pessoa teve filho e decidiu se dedicar exclusivamente à maternidade por um período, ou se teve algum problema de saúde, mas de maneira geral o primeiro viés é mais negativo do que positivo, infelizmente.
Uma dica é indicar no currículo o tempo total que você trabalhou em cada empresa, mas sem especificar os períodos. Por exemplo, você não precisa detalhar que ocupou um cargo de junho de 2016 a junho de 2018; basta dizer que foi por dois anos. Essa é uma forma de estruturar o seu currículo para que o tempo que você ficou afastado do mercado não seja a questão principal e não chame tanto a atenção.
O importante é o candidato estar preparado para, durante uma possível entrevista, justificar para a empresa o que o levou a ficar afastado do mercado e deixar claro que não descuidou da qualificação nesse tempo. Lembrando que entrevista de emprego não é sessão de terapia, portanto, justifique-se de maneira assertiva, e deixe claro para o recrutador que agora você está pronto para reiniciar a sua vida profissional.
Muito tem se falado ultimamente em “síndrome do impostor”. Que fenômeno é esse? É verdade que ele acomete mais mulheres do que homens?
Eu concordo com a expressão “fenômeno do impostor”, porque “síndrome” passa a ideia de algo patológico, como se fosse um diagnóstico. É um fenômeno comportamental que acontece quando você não acredita no seu potencial, na sua capacidade, e acaba achando que está enganando as pessoas e que a qualquer momento será descoberto.
O fenômeno do impostor é consequência das inúmeras cobranças que sofremos no dia a dia, e realmente acomete mais as mulheres. Ainda hoje, nós, mulheres, continuamos recebendo salários inferiores aos dos homens fazendo exatamente a mesma coisa. Temos que nos provar em dobro, apenas pelo fato de sermos mulheres, e acabamos acreditando muitas vezes que realmente somos impostoras. Resumidamente, é um problema com raízes históricas e sociais.
Concorda que atualmente vivemos uma era de imediatismo no mercado de trabalho, com jovens profissionais querendo galgar postos muito rapidamente e já considerando trocar de emprego ao primeiro sinal de insatisfação com o trabalho? Como dosar essa ambição profissional para que ela não gere frustração?
Os millennials (nascidos entre o início dos anos 1980 e meados dos anos 1990) trouxeram para o mercado de trabalho essa questão do propósito, e esse imediatismo está pautado muito pelo posicionamento desses profissionais dentro das empresas. A partir do momento em que está trabalhando, o millennial quer saber qual é o seu papel, ter seu espaço, se sentir parte. É diferente das gerações anteriores, que simplesmente respeitavam uma hierarquia pré-existente. O millennial quer ficar em um emprego porque vê sentido em estar ali.
Outro fator que contribui para esse comportamento é o entendimento do que é sucesso. Existe essa ideia, baseada em comparações com pessoas mais velhas e também no que a mídia nos ensinou por muito tempo, de que você precisa conquistar tudo antes dos 30 anos, porque depois é só “ladeira abaixo”. De fato, com essa idade nossos pais e avós já estavam casados, com filhos, casa própria e tudo mais, mas o contexto histórico era totalmente diferente.
Essa crença ficou muito arraigada, e num mundo com várias possibilidades de profissão os mais jovens acabam se sentindo paralisados e, consequentemente, frustrados: querem sempre mudar, testar alguma coisa nova, fazer algo significativo. Acho que também é papel das empresas fazer um trabalho melhor de diversidade e inclusão entre gerações. A geração Z (composta por pessoas nascidas entre a segunda metade da década de 1990 e o início do ano 2010) está chegando ao mercado de trabalho agora e promete sacudir ainda mais essa questão de carreira.
É possível dizer que caímos na “falácia do propósito”, então? Como saber se estamos realmente infelizes no trabalho e que é hora de mudar de carreira?
Sim, essa história do propósito pode ser uma falácia, porque o seu propósito pode mudar conforme você muda também, à medida que você vai amadurecendo e tendo outras experiências na vida. Não é algo divino, inatingível. Se há dez anos você tinha um propósito e hoje não tem mais, não significa que você fracassou; quer dizer que você evoluiu, amadureceu e que está apto até para ter um novo propósito.
O propósito em si não é ruim, o problema é essa romantização, como acontece quando se fala em “trabalhar com o que você ama”. Você pode amar o que faz, mas mesmo assim vai ter perrengue, momentos em que vai estar infeliz. Amar o seu trabalho não te impede de ter dias ruins, mas te dá maior resiliência e clareza justamente para encarar essas fases difíceis.
É normal ter altos e baixos na carreira porque ela não é algo linear, estático. Quando, no entanto, o trabalho começa a se tornar um fardo, afetando a vida pessoal e a saúde mental, talvez seja a hora de parar e analisar o que está acontecendo de errado. Nem sempre a solução está em mudar de carreira, em começar a estudar algo novo do zero. Às vezes, uma simples mudança de empresa ou até mesmo de área pode ser suficiente para mudar o jogo, por isso o autoconhecimento é tão importante.
Quem realmente decide recomeçar do zero deve levar que fatores em conta ao escolher uma nova carreira? Existe algum segredo para que essa transição seja bem sucedida?
Primeiro, não tome nenhuma decisão por impulso, no calor do momento, depois de um dia ou de um mês ruim no trabalho. A partir do momento em que você consegue identificar que realmente quer seguir outra carreira, o primeiro passo é entender como fazer essa transição e de quanto tempo você vai precisar para realizá-la.
Depois, é hora de ver, dentro da sua rede, quem são as pessoas que trabalham nos setores ou profissões para os quais você deseja migrar. Converse com essas pessoas, entenda mais sobre essa profissão e descubra o que você precisa fazer para se qualificar. Estreite os laços com elas e desenvolva o seu networking.
Também recomendo conhecer o mercado de perto sempre que possível, antes de tomar qualquer decisão. Dependendo da carreira escolhida, você pode começar a fazer trabalhos como freelancer, conciliando com o emprego atual, para ver se é isso mesmo que você quer.
Quais as principais tendências do mercado de trabalho que você enxerga para 2023?
Vejo o mercado aquecido especialmente em algumas áreas, como TI, Segurança da Informação, Vendas e Gestão de Redes Sociais. São áreas que estão se consolidando e procurando cada vez mais profissionais qualificados, por isso é importante se manter constantemente atualizado, se aperfeiçoando o máximo possível.
O aprendizado ao longo da vida, ou lifelong learning, é sem dúvidas uma tendência, tanto para desenvolver competências técnicas, quanto as chamadas soft skills. Quem deseja manter a sua empregabilidade no mercado de trabalho precisa investir constantemente em qualificação e autoconhecimento. Entenda o que te motiva, quais são os seus valores, reconheça a sua potência de criação. A gente sempre espera que o outro nos valide, mas é preciso mudar esse pensamento, parar de esperar ser validado por terceiros e começar a se validar também. Entenda a sua trajetória e a sua carreira, porque ninguém vai fazer isso por você.