Vou adivinhar uma coisa sobre você…
Quando o calor escaldante – típico do Brasil – preenche a fresta da sua janela, uma “coquinha” gelada é sempre uma boa opção. Acertei?
Eu sei. Talvez você seja dos nada adeptos aos refrigerantes, incrivelmente gostosos, mas pouco amigáveis à saúde. Se este for o caso, fico te devendo uma latinha um suco refrescante.
Vamos aos fatos. A Coca-Cola é um fenômeno, ainda que alguns – dois ou três – insistam em desgostar. Mais do que uma bebida gaseificada de cola, embalada em uma lata de rótulo vermelho e letras brancas, ela promove o conceito que todos nós, sem distinção, amamos: FELICIDADE. E, acredite, ela faz isso há muito tempo.
Não. Este não é um artigo sobre o sucesso escalado da marca. Tampouco sobre a desilusão que muitos de nós sentimos ao descobrirmos que a figura do “bom velhinho”, barrigudo e de roupas vermelhas, também foi uma invenção da icônica norte-americana.
O foco, aqui, é descomplicar o conceito de um termo da moda que guarda significados profundos e produtivos para você que gosta e quer saber como aplicar de maneira estratégica e inteligente em seus negócios. O branding.
Na corda bamba, sempre com emoção.
Que me desculpem os pragmáticos. Mas antes das definições, quero te convidar ao mergulho nos desafios. Tim Calkins (2006), no primeiro capítulo da obra, “Branding”, organizada por ele, aponta três desafios do conceito. Caixa, Consistência e Saturação.
Para o autor, ao pensar no caixa, é preciso levar em conta que os responsáveis pelas marcas (gerentes) são estimulados a apresentarem resultados financeiros no curto prazo. Entretanto, as marcas – e todos os processos que conferem valor a ela – são ativos de longo prazo.
O segundo obstáculo mora na consistência, que na prática, é a dificuldade de fazer com que todos na organização sejam capazes de abraçar e replicar o que foi definido no papel. Afinal, o branding é desenhado por pessoas que vão espalhar essa “ideia” para outras pessoas.
Por fim, Calkins alerta para a saturação. Mas o que isso quer dizer? Se somos bombardeados por um incontável número de anúncios, todos os dias, nas mais diversas mídias, como marcas fazem com que suas “vozes” possam ser escutadas e realmente absorvidas pelo público de interesse?
Todo este caminho de desafios colabora para o conceito que quero trazer aqui.
O bê-á-bá
Levando cada um dos pontos anteriores em consideração, o branding é o emaranhado de estratégias e ações, pautadas nos pilares do posicionamento, propósito e valores de uma marca. Ele trabalha para estimular a conexão e sensações instigantes, importantes para que um cliente decida por uma determinada compra.
É o que faz com que você pense no sabor da Coca-Cola, enquanto planeja o almoço de domingo com a família. Em resumo, uma marca se faz presente, mesmo que o foco não seja o consumo. Ela se torna parte de quem você é, ainda que você nem se dê conta.
Mas não pense ser, este, um caminho fácil. Criar e construir marcas, desafia líderes em corporações de todos os nichos. A verdade é que, para cada caso de sucesso como a Coca, a Apple ou o Starbucks, existem outras dezenas de histórias fracassadas neste mesmo aspecto.
“Não se mexe em time que está ganhando”. Até que ele pare de ganhar.
A expressão, conhecida no mundo do futebol, também diz muito sobre o nosso tema.
Quero te convidar para uma viagem. Feche os olhos e tente se lembrar da primeira memória que envolva sandálias Havaianas. Se você é de antes do início dos anos 90, posso apostar outra latinha que você pensou nas cores branco e azul.
Não tenho bola de cristal, fique tranquilo! A resposta para o meu acerto está no trabalho de rebranding – quando uma marca decide reformular a sua estratégia de branding já existente – que a especialista em sandálias de borracha decidiu fazer em função de uma mudança em seus resultados de vendas.
A Havaianas foi criada para ser um produto popular que agradava pessoas com poder aquisitivo modesto. Por isso, sem variedade estética, ela oferecia um produto “simples”, resistente e de baixo custo. O clássico solado branco com tiras azuis.
Entretanto, com o crescimento da pirataria e de marcas concorrentes, ainda mais baratas, ela perdeu espaço entre seu principal alvo. Era hora de mudar.
Em 1994 – após identificar que para atingir outra parcela da população seria preciso modificar não só a estratégia de distribuição, mas também o produto – ela lançou a linha “Top”, com mais de 40 modelos, cores e estampas.
Desde então, passamos a identificar mais valor agregado à marca. Além disso, um reposicionamento que gerou pontos de vendas chamados “Ilha das Havaianas” e fornecem opções que ultrapassam a casa dos cem reais. Atingindo, assim, um novo perfil de público, mais exigente e com poder aquisitivo superior.
Conceitos valiosos, carregados de má compreensão.
Para a especialista em marketing, ex-brand strategy manager da Natura, responsável por estratégias de marca no Brasil e em operações da América Latina, Liliane Ramos, o branding é um conceito central para a geração de valor das empresas, mas que, ainda hoje, é bastante mal compreendido.
“Quando a gente fala em branding, as pessoas tendem a pensar em comunicação na camada mais externa, naquilo que se vê na estética, que também é uma manifestação importante. Mas a definição de branding mais relevante, para mim, está ligada a criação de valor de uma empresa.”
Ainda segundo ela, para que se chegue nesta reflexão, é preciso pensar na gestão de uma proposta de valor que será “apresentada” para as pessoas com quem a marca se relaciona.
“O que é uma marca? Uma marca é aquilo de mais valoroso que a empresa tem para oferecer para sua comunidade. Não só para seus clientes, mas para toda a comunidade que está em torno dela. Para todas as pessoas com quem ela se relaciona. Essa proposta de valor precisa ser gerida. Então, branding é justamente a gestão desse valor. Portanto é um processo que perpassa todas as áreas da empresa pra verificar, em última instância, se aquilo a que a marca se propõe – o seu propósito, a sua razão de ser, a sua promessa de marca – é de fato entregue da forma mais consistente, mais coerente e mais contundente, em tudo aquilo que ela faz.”
Este não é um processo com fim. Liliane Ramos aposta na necessidade de um processo de branding contínuo, que garanta a gestão dos valores que farão com que a marca permaneça positiva, verdadeira e consistente para o seu público de interesse.
“Ter um processo de branding bem desenvolvido e uma gestão de branding bem elaborada, bem cuidada e atenta a todas essas dimensões, é fundamental para que a empresa consiga manter e ampliar o seu valor no fim do dia. Porque é muito fácil cair nas armadilhas das palavras vazias, dos manifestos, dos termos da moda, das tendências de mercado, dos movimentos do concorrente e não olhar para dentro e entender onde, de fato, essas promessas ou esses desejos são concretizados.”
Por fim, ela alerta para a visão de futuro que uma marca deve ter ao estabelecer o seu processo de branding. Tudo precisa estar conectado com a sua visão de mundo e o lugar que ocupa para as pessoas impactadas por ela.
“(…) Então, gerir marca, fazer branding é um processo extremamente estratégico. Precisa estar embrenhado e engajado no pensamento de futuro da marca e precisa estar muito bem cuidado nos processos de gestão do presente, para que a marca tenha certeza de que entrega aquilo que ela se propõe entregar, em todos os seus pontos de contato e para que ela tenha certeza de que os passos a serem dados, numa estratégia de inovação ou numa estratégia de futuro, também são coerentes com a sua visão de mundo, com o lugar que ela ocupa e com o impacto que ela exerce na comunidade da qual ela faz parte.”
Descomplicou? Então é hora de aplicar. Prepare sua lista de lições aprendidas e potencialize seus resultados.