O que você está procurando?

SOU ALUNO

Vida de Financeiro

As relações humanas por trás dos números, planilhas e relatórios

Muita gente acha que quem trabalha no financeiro é uma pessoa extremamente centrada, com as finanças regradas e, sem dúvidas, com uma reserva de emergência para qualquer problema futuro. Acho que esse espécime, no entanto, foi perdido ao longo do tempo. Em 15 anos de experiência nessa área, encontrei apenas alguns colegas assim. Arrisco dizer que 98% das pessoas que trabalham com finanças, seja em qual setor for, são totalmente desprovidas da capacidade de controlar sua própria vida financeira.

Acredito que lidar com tantos números e tanta responsabilidade de prazos e vencimentos faz com que tenhamos verdadeiro horror de pensar em fazer contas para ver se aquilo que recebemos é compatível com nossos gastos. “Casa de ferreiro, espeto de pau”, sabe?

Mas você acha que eu mudaria de área? Definitivamente não!

O financeiro surgiu na minha vida profissional por acaso. Resolvi abraçar este desafio porque lidar com números e valores sempre foi muito simples para mim, e também porque acreditava que, nessa área, não teria que lidar com atendimento a pessoas, o que sempre achei bastante complicado no ambiente profissional.

Em uma das minhas primeiras entrevistas de emprego, o responsável pelo departamento me perguntou se eu preferia lidar com papéis ou pessoas. Na mesma hora, respondi: papéis. Minhas experiências anteriores haviam me deixado traumatizada e eu tinha certeza de que eu não tinha “tato” para gerir pessoas e atender clientes de maneira adequada.

Com isso, acabei me especializando cada vez mais na área financeira e adquirindo um vasto conhecimento sobre todas as etapas do processo. O fato de ter trabalhado tanto em pequenas empresas como em multinacionais também me fez ter uma visão diferenciada. Nas empresas menores, trabalhava muito manualmente, usava muitas planilhas e precisava ser realmente “multitarefas”, resolvendo mil coisas ao mesmo tempo. Já nas empresas maiores aprendi a utilizar sistemas que auxiliavam a consolidar informações, o que facilita muito a parte de análises e a integração com os demais departamentos.

Ao longo dos anos, fui percebendo que estava errada quando imaginava que o financeiro estava apenas ligado a cálculos e análises, afinal, tive que lidar muitas vezes com clientes internos e fornecedores. Até que veio o maior desafio da minha vida profissional: fui convidada a auxiliar, por um período, o time de contas a receber da empresa em que trabalhava, e precisaria lidar inclusive com clientes externos.

Eu realmente não acreditava que daria conta, afinal sempre tive problemas em fazer as pessoas entenderem que eu não estava brigando ou dando bronca quando falava com elas (descendentes de italiano me entenderão). Como lidaria com clientes de uma multinacional que sempre prezou pelo atendimento atencioso e condescendente?

Fernanda 2 edited

No primeiro dia, fui muito relutante: não queria fazer nenhuma ligação e dizia que podia resolver por e-mail todos os problemas e solicitações. Mas o departamento tinha metas, e essas metas incluíam as ligações para os clientes. Não teve jeito, e tive que começar a fazer contato com as pessoas através de telefonemas também.

As primeiras ligações foram um completo pesadelo para mim. Fui chamada algumas vezes pelos meus supervisores, que tentaram me orientar sobre como melhorar minha abordagem e a maneira como eu me expressava. Óbvio que na minha cabeça aquilo era absurdo, porque eles sempre souberam da minha suposta incapacidade de atender pessoas.

Tudo mudou quando um antigo líder meu, da época em que trabalhava com controle de custos, um dia me chamou para almoçar. Eu tinha um carinho imenso por ele e também havíamos desenvolvido uma relação de amizade (inclusive, sou eternamente grata à sua imensa paciência e a todo o desenvolvimento profissional que obtive através dele). Durante o almoço, ele olhou para mim e me questionou: “quem disse que você não tem capacidade de atender clientes?”.

Expliquei para ele que, ao longo de minha vida profissional, tive esse feedback de algumas pessoas e que elas sempre me aconselhavam a nunca trabalhar diretamente com atendimento, pois eu não tinha desenvoltura para isso. Foi quando ele me disse: “nós trabalhamos juntos por dois anos, e você  chegou até a responder diretamente a mim durante um período. Sua mesa ficava exatamente em frente à minha sala, via você trabalhar e garanto que, se você atender os clientes da mesma forma como atendia os seus fornecedores internos e externos, seu trabalho será primoroso”.

Quando parei para pensar no que ele tinha me dito, virou uma chave dentro de mim. Sim, quem trabalha com financeiro, mesmo nas áreas de contas a pagar, tesouraria e controle de custos, também lida com pessoas. Naquela época, eu já estava trabalhando na área financeira havia mais de oito anos. Certamente fui evoluindo nesse tempo, melhorando minha postura e a maneira de me expressar. Eu já tinha boas relações com as pessoas com quem estava acostumada a trabalhar, então qual era a diferença?

A diferença é que, até então, eu simplesmente acreditava quando me diziam que eu não tinha capacidade de fazer atendimento, mas que era uma profissional extremamente capacitada para lidar com finanças. Quando entrei no mercado de trabalho, nos anos 2000, não existia esse pensamento de que as pessoas podem ser trabalhadas e melhoradas naquilo que não são seus pontos fortes.

Eu era uma menina excelente com dados analíticos e números, e por isso fui colocada atrás de uma mesa para emitir relatórios e fazer planilhas. Isso criou uma barreira dentro de mim, e sem que eu percebesse, passei a acreditar: não gosto de pessoas e não quero trabalhar com atendimento.

Hoje, felizmente, o pensamento profissional é totalmente diferente. Sabemos que todos lidamos com pessoas, internas ou externas, de maneira direta ou indireta e que, no fim das contas, eu sempre lidei com o público. Ter alguém para me abrir os olhos sobre esse ponto me fez entender que, ainda que profissionais da área financeira possam apresentar alguns distúrbios neurológicos (contém ironia), somos plenamente capazes de lidar com pessoas, números, análises e afins.

Apenas um conselho: se estivermos em fechamento mensal ou em época de conciliação, melhor não interromper. Podemos ter algumas reações passivo-agressivas pelo excesso de neurônios sendo utilizados nessas tarefas (novamente, contém ironia).

Autor

Artigos relacionados

Utilizamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência e recomendar produtos e conteúdos de seu interesse em nossos sites e em serviços de terceiros. Ao navegar pelo site, você concorda com estas condições e com nossa Política de Privacidade e Proteção de Dados.

ENTENDI