– “Seu Pina, leve um pouco e tome um banho de sal quando chegar em casa. Hoje o dia foi pesado”.
Eu poderia começar este artigo de muitas formas. A verdade é que o quadro, “Fala, Líder!”, foi pensado para conter rápidos insights que inspiram pessoas a promoverem uma boa gestão em seus cargos e organizações. As aspas, aqui, na ideia inicial, eram puro complemento do texto. Mas, a entrevista com Roberto Pina, ex-diretor executivo da Cielo e ex-CFO da Alelo, mudou o jogo para a jornalista que te escreve agora.
Nas próximas linhas, você verá o brilhantismo e humanidade que tive a boa surpresa de constatar, ao longo dos quase 60 minutos de papo, há alguns dias.
Prepare seu bloco de notas e não deixe de registrar as lições que julgar mais importantes para o seu próprio crescimento. Já adianto que, ao final, nosso entrevistado revelou uma das técnicas aplicadas, por ele, para otimizar os resultados de suas equipes. Então – conselho de quem te quer bem – fique aqui e aproveite, sem moderação.
Prazer, eu sou o Roberto Pina
Nosso convidado tem uma vasta trajetória no mundo corporativo. Mas sua história, como a de muitos brasileiros, não vem de um roteiro abundante em privilégios.
“Eu vim de uma família bem humilde e, logo cedo, com nove anos, eu vendi flor na feira, pipa na feira, sorvete na rua(…) tudo pra contribuir em casa e também para ter o meu dinheirinho. Eu olho para trás e vejo uma veia empreendedora desde àquelas experiências. E, claro, isso tem um vínculo muito forte com o lugar em que cheguei e a trajetória que construí.”
“Comecei num emprego formal com 14 anos, como office boy, em uma profissão que eu acho que nem existe mais. Aos 22 anos, em uma indústria química, eu já liderava uma equipe de 15 pessoas na área financeira. O que era um pouco inusitado, na época, pois hoje vemos mais jovens em cargos de liderança.”
Pina revela que trabalhou em uma célula de inteligência para uma empresa de tecnologia que, em 1994, após uma fusão, se tornaria o que hoje é a Cielo. Na gigante do mercado financeiro, ele foi diretor executivo e ajudou na criação e efetivação de outros negócios, como a Alelo. Empresa em que foi CFO até 2016.
Depois de criar metodologias baseadas em suas experiências de carreira, hoje, Roberto Pina dedica o trabalho para a Sevensete. Uma venture builder que criou para investir em empreendedores e start-ups.
“Nós temos um ecossistema em nossas mãos. Nós investimos em start-ups e temos uma metodologia própria. São mais de 30 (start-ups) em nosso portfólio, de diversos segmentos. E a nossa principal tese é investir em GENTE. Depois nós olhamos se o segmento é bom, se o negócio é bom. Mas o nosso primeiro olhar é para as pessoas. E por ter feito tantas coisas ao longo da minha carreira, achei que eu realmente entendia muito de gente. Mas descobri que não era o suficiente. Hoje eu tenho uma psicóloga que me ajuda a avaliar o empreendedor, a partir de algumas ferramentas. Mas é o que eu sempre digo: gosto de gente com brilho nos olhos, gente que queira estar envolvida, que tenha possibilidade de ter um autoconhecimento bacana. (…)”
O segredo está nas pessoas. Nunca no medo.
“-Pina, o que eu mais admiro em você é que as pessoas não trabalham pra você, elas trabalham por você.”
Esta frase, segundo o empresário, fez parte do feedback mais importante de sua vida, dado por um chefe, alguns anos atrás. Mas o que ela revela para nós? Na tese dele, quando inspiramos pessoas a trabalharem por um propósito maior do que o projeto em si, engajamos a equipe para um resultado muito mais humano e consistente.
Uma das maneiras mais estratégicas de promover esta cultura, é a partir do exemplo. Isso porque, pessoas se conectam com pessoas e são movidas por sentimentos.
Para que o seu legado seja efetivo, é importante que elas se relacionem com você pela inspiração e nunca pelo medo. Nas palavras dele, “exercer a liderança pelo medo tem prazo de validade definido. Às vezes ele é curto e você fica pelo caminho. E mesmo que você conquiste algo, não vai ter prazer em olhar para trás”.
O Carrasco não é aplaudido. Mas o bom líder movimenta multidões
“A gente estava num prédio de três andares. Quando eu fui sair, pessoas dos três andares estavam no mesmo que o meu. E todo mundo, em pé, batendo palmas para mim. Isso não tem preço.”
A voz embargou e o silêncio tomou conta por breves 30 segundos da chamada de vídeo. Ficou nítido que Pina acabara de descrever um momento realmente especial de sua carreira. Naquele instante, ele me contava sobre a despedida da Cielo, em 2004, quando se preparava para iniciar o desenvolvimento do projeto Alelo.
O contexto deixa claro que esta não é uma construção de curto prazo. Ao contrário disso, você passa anos dedicando uma escuta verdadeiramente ativa para as pessoas e, com o tempo, colhe os frutos.
A fórmula para gerar resultados diferenciados é potencializar os talentos, dar voz para os liderados e perder o medo de ter, por perto, pessoas melhores do que você.
“Para mim algo é muito certeiro! Eu nunca tive receio de montar times com pessoas melhores do que eu, tecnicamente, onde eu sabia que eu não era bom e que precisava de um braço forte”, afirma Pina.
A mágica das conexões
Se nosso entrevistado pudesse deixar uma única ideia como contribuição, eu apostaria na frase – “você precisa gostar de gente.”
Por sorte, não precisei limitar nossa conversa em uma frase, mas pela maneira como ela foi repetida, ao longo daquela hora, sei que a liderança consciente está, até o último fio, relacionada com esta máxima:
“Se você não gostar de pessoas, a sua liderança tem prazo de validade.”
Mas não é só isso. Gostar por gostar, carrega uma passividade pouco proveitosa para quem quer destaque na empreitada da gestão. Na prática, é preciso fazer com que as pessoas estejam conectadas com você, conectadas entre si e, principalmente, conectadas por propósitos.
“Eu acho que você precisa, de alguma forma, vincular o teu propósito e o propósito da empresa, com o propósito do seu colaborador. A grande mágica é essa interseção. Quando eu consigo fazer com que o meu colaborador realize o propósito dele em cima do propósito da companhia. É essa a situação mágica que leva o time a chegar a lugares que ele nem imaginava.”
Do analista ao diretor
Não estamos falando sobre abrir a agenda ao público. Numa das lições de nossa conversa, Pina falou sobre a importância de ter tempo para dedicar atenção individualizada para seus liderados. Os conhecer, em profundidade, pode te colocar em um outro patamar de estratégia. Isso oportuniza uma construção narrativa genuína, pois ao se relacionar de maneira mais informal, privilegiando assuntos que não estão ligados diretamente ao trabalho, você saberá dos “porquês” de cada membro do seu time.
“Você é fruto daquilo que você viveu durante anos, não é mesmo? Do meio da sua formação, da sua família (…) Então, você tem que procurar entender um pouco sobre a real situação dos seus liderados. E eu fiz muito isso na vida. Minha agenda era aberta para as pessoas. Se um líder não tiver uma agenda aberta para as pessoas, ele não consegue dar conta. Do analista ao diretor, eu tinha agendas individuais com todos. Queria saber quais eram seus propósitos, seus desejos e como eu poderia ajudar a alcançar. Mas tem que ser genuíno. Não dá pra fazer isso porque leu no livro. Elas sabem quando não é de verdade.”
Tal nível de “intimidade” – sempre respeitosa – produz experiências legítimas em todas as esferas. Quando você se der conta, verá pessoas trabalhando por propósitos compartilhados e se importando com a essência de quem somos.
A fala que abre este texto – e exemplifica a ideia – foi dita por uma copeira que, ao segurar um pequeno saquinho de sal, demonstrou seu cuidado autêntico com alguém que, pelo cargo que ocupava, poderia ser só mais um “chefe distante”. Entretanto, prova a simplicidade do fato de que empresas são feitas de pessoas. E antes de se vincularem a projetos, estão conectadas a outras pessoas.
Para o “olho do furacão”
Sim! Eu sei que a promessa do insight prático não saiu da sua cabeça.
Pina deixou para o fim uma das ideias mais produtivas que tive a oportunidade de escutar sobre processos de liderança. Deixar que seu time veja, por si só, o tamanho das exigências e das estratégias que estão sendo debatidas por quem está hierarquicamente acima. No bom e velho dicionário de expressões brasileiras: “levá-lo para o olho do furacão”. Sempre de maneira controlada.
“Eu combinava, por exemplo, com o conselho da administração, que levaria um ou dois liderados para participarem das reuniões estratégicas(…) pois eu queria que eles sentissem o clima. Você oferece um palco que o cara nem imaginava que teria – sempre de maneira controlada, é claro – e deixa as pessoas encantadas. Além disso, essa prática me poupava um outro trabalho de alinhar as cobranças com a equipe. Quando eu chegava no time, o cara já tinha contado tudo sobre o que vivenciou na pele, deixando a nossa comunicação fluir com muito mais rapidez e entrega.”
Se sentir parte atuante do projeto, em todos os seus níveis, aumenta a potência das ações de qualquer ser. Tudo por querermos pertencer e ter nossa importância reconhecida.
Como gestor, seu papel será construir o ambiente ideal para que isso seja possível, de maneira saudável e produtiva, sem prejuízos às pessoas e aos resultados que você, seu time e a empresa desejam.
Tudo, sempre, focando em conectar, inspirar e formar pessoas. Afinal, o bom líder, de acordo com quem entende do assunto é:
“… aquele que gosta – e não tem medo – de formar outros líderes”.
