Se eu pedisse a você para imaginar um país onde existem mais celulares do que habitantes, é provável que você pensasse em um lugar super desenvolvido, tecnológico, onde todos vivem conectados, certo? E se eu te dissesse que, apesar de possuir cerca de 30 milhões de smartphones “sobrando”, ⅓ da população desse país vive sem internet? Pois esta é a realidade do Brasil.
Segundo dados de 2022 do IBGE, o país conta com 242 milhões de celulares inteligentes em uso, distribuídos entre 214 milhões de habitantes. Como já era de se esperar, no entanto, essa distribuição está longe de ser igualitária. Uma pesquisa realizada pela GSMA em parceria com as operadoras Algar, Telecom, Claro, TIM e Vivo revelou que 71 milhões de brasileiros vivem desconectados. Desses, 54 milhões – 25% da população – vivem em áreas com cobertura de rede, mas mesmo assim não acessam serviços de internet móvel.
Principais desafios
Entre as principais barreiras à conectividade apontadas pelo estudo está o chamado “letramento digital”. Alice Lana, coordenadora da área de Cultura e Conhecimento do InternetLab, explica que a inabilidade das pessoas de usarem as TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) se compara ao conceito de analfabetismo funcional. “Uma pessoa pode ser alfabetizada, mas não conseguir depreender o que está sendo dito em um texto. O mesmo acontece com o uso da internet: há pessoas que sabem usar a tecnologia, mas não compreendem exatamente o que está sendo feito ali”.
Segundo a especialista, o Brasil está dando os primeiros passos rumo ao letramento digital da população, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. “Estamos começando a falar sobre o assunto nas escolas, e isso não tem nada a ver com ensinar a fazer código ou a programar, mas com mostrar parâmetros de bom uso da rede, entender que a internet é muito mais do que WhatsApp e Facebook e ensinar a questionar informações. Explicar que a internet não é uma terra sem lei, que as atitudes online têm consequências, também entra na questão do letramento digital e é uma forma de combater os discursos de ódio”, explica.
Outro gargalo importante indicado na pesquisa é a acessibilidade, que leva em conta preços dos serviços móveis e dos telefones celulares, desigualdade de renda e tributação. Segundo o estudo, apesar da constante redução dos preços dos serviços e dos smartphones (o custo de um aparelho caiu de 15% do PIB per capita em 2018 para 6% em 2021), a desigualdade de renda e os altos impostos dificultam o acesso da população à internet móvel.
“Pensar em acessibilidade é pensar na chamada ‘conectividade significativa’. Esse conceito engloba quatro elementos que precisam existir para que possamos classificar uma conectividade como ‘de verdade’. O primeiro deles é uma velocidade de internet semelhante ao 4G; segundo, a propriedade de um smartphone; terceiro, o uso diário da internet; e quarto, o acesso ilimitado à rede em um ambiente regular, ou seja, em casa, no local de estudo ou no trabalho. É preciso entender que conectividade não é um mero acesso”, destaca Lana.
Brasil x América Latina
O estudo da GSMA também fez uma comparação entre Brasil, América Latina e países líderes em conectividade móvel. A dimensão geográfica do Brasil é tida como um grande desafio para a expansão da cobertura, mas ainda assim, o país teve avanços nos últimos anos e ficou no meio do caminho: enquanto a América Latina tem 59% da população conectada a uma rede móvel, o Brasil tem 67% e os líderes, 81%.
De acordo com a pesquisa, o Brasil tem um dos melhores indicadores de conectividade e rede do continente, e é um dos líderes em avanço do 5G na América Latina. Segundo Lana, muitos pesquisadores e juristas, atualmente, consideram o acesso à internet um direito fundamental. “A internet se tornou um meio essencial para a gente se informar, ter contato com os amigos e até acesso a benefícios do governo. E se, por um lado, ela contribuiu nos últimos anos para a intensificação da desinformação com notícias falsas, de outro ela permite a organização de pessoas de diferentes lugares do mundo em torno de pautas políticas e identitárias e da luta por direitos, atuando como um instrumento para a realização de grandes mudanças positivas na sociedade”.
Lana diz que, para além das questões sociais, a conectividade da população também contribui para o desenvolvimento econômico do país. “Pessoas que estão desconectadas não são apenas potenciais consumidores que estão deixando de comprar online, mas também trabalhadores que estão deixando de ter acesso a vagas de emprego, por exemplo. Quando a gente discute conectividade e acesso das pessoas à internet, a gente está discutindo a efetivação de vários outros direitos para que essas pessoas sejam realmente parte de tudo que o Brasil pode ser”, conclui.