Inquietações
por Jonatas Figueiredo

#62 – Recaída

Ao contra-ataque.

28 de março de 2025

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Jonatas Figueiredo

CEO d’O Novo Mercado

Ninguém é viciado, até tentar parar.

Isso vale para qualquer hábito ou comportamento, mesmo aqueles que não parecem droga.

Ser grosseiro, ser guloso, ser preguiçoso, fofocar… Coisas do nosso dia a dia, que faríamos muito bem se passássemos a olhar com o mesmo desprezo e incômodo que fazemos ao olhar alguém que bebe, fuma ou se injeta com produtos não encontrados na farmácia.

Se todo vício é um hábito, a maneira de identificá-lo é o prejuízo que ele causa. Existem, claro, prejuízos maiores e menores, e deveríamos começar a resolver os maiores problemas.

Ainda assim, muitas vezes subestimamos o prejuízo e reduzimos sua importância propositalmente por culpa de algo que boa parte das pessoas nem percebe que está influenciando…

NÃO É FALTA DE MOTIVAÇÃO.

Eu tenho dificuldade de acreditar em quem diz que não quer mudar.

Como disse o falecido Silvio Santos: “Ninguém sai de casa dizendo ‘Hoje eu vou errar’“. Não. Eu acredito que as pessoas escondem um segredo, às vezes, tão bem, que nem mesmo elas sabem.

Toda recaída é uma punição.

Quem quer que tenha tentado mudar um hábito ruim ou um vício consegue se lembrar do sentimento após uma recaída. Segundo a ciência, é um dos sentimentos mais fortes que alguém pode sentir.

Se toda recaída, portanto, traz consigo este sentimento, eu tenho uma tese: as pessoas fingem que não querem consertar o vício porque o malefício do vício ainda não superou o prejuízo da recaída.

TODOS VAMOS CAIR.

Essa é uma premissa universal, cravada nas tradições monoteístas: hoje, somos criaturas corrompidas.

Por mais inocentes e fofas que sejam as criancinhas, em pouco tempo os “serumaninhos” já estão praticando maldades, sem o devido desenvolvimento da regulação emocional.

Alguns chamam de Pecado Original, outros chamam de inclinação para o mal. O ponto é que somos capazes de fazer o bem e de fazer o mal, e aparentemente temos uma preferência pelo último, a não ser que haja uma boa cinta à espera de fazer justiça.

Se a cinta se fizer presente, em devido tempo, nós aprendemos o que é certo e errado, e que o certo é desejável enquanto o errado é desprezível.

Dessa forma, quando estamos tentando consertar algum comportamento nosso que é errado e falhamos… nós nos tornamos desprezíveis.

Eu me odeio”.

Mais que frase de filme adolescente, essa é uma admissão difícil e necessária para todos que ainda não sabem disso: quando você não cumpre sua palavra e faz algo que não quer querer, você passa a ter nojo de si.

Por ter nojo de si, passa a sentir vergonha, porque nós somos animais hiper sociais e você morre de medo de ser rejeitado – porque antigamente essas duas coisas eram sinônimos, a morte e a rejeição.

E se você, de repente, se tornou desprezível aos seus olhos, então provavelmente os outros também te verão assim e isso pode ser o seu fim. Portanto, resta um comportamento: fingir.

MENTE QUE NEM SENTE.

Talvez se eu fingir que não quero parar, as pessoas julguem minha falha como uma inconveniência menor do que a falta de confiabilidade que se revelaria quando todos descobrirem que eu não consigo parar.

“Eu tô bem assim”, “Você está sendo intolerante, não tem nada de errado nisso”, “por que você não se preocupa com a própria vida?”, “mas você erra naquilo e eu não falo nada”: todas sentenças de um grande mentiroso, que tenta distrair o próximo do problema real.

Todo covarde é um mentiroso.

Você mente porque tem medo.

A solução, então, parece estar em tomar uma boa dose de coragem.

ENFRENTE O MEDO DE LUTAR.

Um presente inigualável que o Krav-Maga me deu foi me a permissão de ser violento.

Pode parecer contraintuitivo para você, mas a gente foge da violência sem nem saber. Chega ao ponto em que o Jiu-Jitsu brasileiro, a segunda arte-marcial que pratico, criou todo o seu branding em cima de não ser violento… uma arte-marcial, quem diria.

O Krav-Maga é diferente. Gosto de dizer que é “a arte da resposta assimétrica”, embora dificilmente alguma coisa seja assimétrica quando estão tentando te matar.

Mas me distraio. Há um motivo para o Krav-Maga ser assim: ele foi desenhado para que todo mundo pudesse aprendê-lo e utilizá-lo. Isso significa que eu não posso desenhar um movimento considerando coisas que só um atleta conseguiria fazer… restam as “apelações”, as maldades que estão acessíveis a todos.

Essa dessensibilização à agressividade, que é fundamental numa situação de defesa, pode ser usada em diversas situações na nossa vida – no combate a um vício também.

A regra é clara: devolva!

NUNCA 2!

Meu amigo e personal trainer, Bruno Barbosa, tem uma frase que usa na sua comunidade, “Nunca 2″.  Na prática, isso significa que quando você errar, precisa reagir imediatamente (olha só, como no Krav-Maga) e voltar à dieta, ao exercício, logo em seguida.

Dessa forma você interrompe o ciclo da recaída antes que seja tarde demais, e ainda por cima não precisa sentir nojo porque não se tornou desprezível – todos nós erramos, o problema não está aí, está em como nós reagimos ao erro.

Se você não reage imediatamente, começa este ciclo da vergonha em que para lidar com a própria consciência você começa a anestesiar a sua crítica e relacionar-se com a falta do comportamento correto, até que assuma o vício como parte da sua identidade.

Não vale a pena fazer isso consigo.

É uma troca péssima: em vez do problema estar no vício, passa a estar em você, que decidiu depreciar o seu valor por medo de brigar pelo que é certo.

Cá entre nós, se o Criador do Universo quis que você existisse, você é algo pelo qual vale a pena lutar.

Nem eu, nem você admiramos covardes.
Então, vamos à luta!

“Entre o estímulo e a resposta existe um espaço. Nesse espaço está o nosso poder de escolher a resposta. E, na nossa resposta, está o nosso crescimento e a nossa liberdade.”
― Viktor Frankl

Obrigado,
Jonatas Figueiredo.

P.S. Este texto foi planejado como o texto de retorno depois de um hiato de 2 meses sem publicar, quando as cartas ainda eram semanais. Era uma boa sacada...

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