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SOU ALUNO

Vento, aprendizagem e novelo de lã

Conhecer as dificuldades, experiências e medos do aluno é fundamental para construir caminhos de aprendizagem mais personalizados

Eu nunca fui boa em obedecer regras.

Elas aparecem como um vendaval que te empurra para que você siga a direção que ele gostaria de te levar, ou até mesmo de forma sorrateira, como uma brisa que, delicada, te conduz por meio da sensação de tranquilidade por estar seguindo um caminho correto. Tentei várias vezes fazer as pazes com essa corrente de ar e confesso que senti dificuldades em todas elas. 

Desde a escola somos obrigados a sentar, ouvir e ficar calados em fileiras que já classificam e denunciam o comportamento e dedicação de cada aluno. Os mais atenciosos sentam à frente, já os mais distraídos e até mesmo bagunceiros sentam mais para trás. 

Minha mente era equivalente às pessoas da frente. Mas a minha atitude física condizia mais com a das pessoas que sentavam nas últimas carteiras. 

Veja bem, não é por sentar na frente que alguém será questionador e curioso sobre o que está sendo apresentado ali, da mesma forma que não é porque alguém senta mais para trás que estará totalmente desinteressado. 

Nada parecia ser desafiador. Quando eu decidia escrever algo, desenhar, solucionar algum problema ou até mesmo fazer todo um processo diferente, de forma diferente, o vendaval surgia. Impositivo e consternado. Eu havia quebrado o padrão existente ali, com minha forma peculiar de enxergar as coisas e uma pequena dose de rebeldia. 

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Não queria fazer igual aos outros. Não queria me expressar como os outros. Queria avançar nas matérias para aprender logo. Queria ficar em pé dentro da sala de aula e ir para a lousa, ajudar o amigo da carteira ao lado, sair correndo depois de acabar a tarefa e conversar. Queria brincar de pular corda, plantar bananeira aleatoriamente e dançar. 

O fato é que eu mantive a minha essência. E sem ela não estaria escrevendo aqui, hoje, com você lendo neste exato momento. 

Depois de passar por empregos que envolviam essencialmente vendas e comunicação após me formar em Jornalismo, me deparei com o fato de que talvez minha forma de trabalho e personalidade não fossem adequadas aos lugares mais tradicionais. Foi aí que retomei um velho pensamento da infância: o de trabalhar com educação, assim como a minha mãe.

Aos 11 anos, quando fui conhecer a rede pública em que ela trabalhava, percebi que aqueles alunos, apenas dois anos mais novos que eu, tinham personalidades, bagagens e níveis de aprendizado completamente diferentes. Passei a auxiliá-la no que eu podia nas vezes em que ia até lá e enxerguei um alto valor em todo aquele processo.

Os anos se passaram, e fui percebendo que as pessoas sempre me procuravam para ensinar determinado assunto, fosse na escola ou até mesmo dentro da família. 

Temas da área de Humanas, como a língua portuguesa, eram assuntos que aos olhos e ouvidos de terceiros eram mais facilmente compreendidos quando eu explicava a partir da minha própria maneira de aprender. Como de praxe, as Exatas e o pensamento lógico voltado para essa área me proporcionavam dificuldades terríveis, as quais enfrento até hoje. Nem mesmo anos de um período integral de estudo conseguiram suprir isso. Aceitei que tem coisas que simplesmente são mais difíceis para uns do que para outros e segui em frente. 

Isso não quer dizer que eu também não tenha treinado em casa ao longo dos anos. Todos os dias, há quase 2 décadas, ensino e aprendo também com o meu irmão Pedro Luiz, que tem 22 anos e é autista.

“Atravessar a rua no verde, amarelo ou vermelho?”; “Por que coelhos não colocam ovos de verdade?”; “O que é uma pessoa transexual?”. Esses são apenas alguns exemplos de perguntas que meu irmão já me fez. Todas elas requerem diferentes respostas, baseadas em palavras e conceitos que precisam ser de fácil compreensão para a realidade dele. O mesmo processo acontece quando ensinamos pessoas com vivências, contextos e fases de aprendizagem totalmente diferentes.

É preciso sentar para contemplar a singularidade daquele indivíduo se você realmente quiser que ele carregue aquele aprendizado para o resto da vida. 

Trabalhar na área pedagógica traz justamente a memória dos vendavais à tona. Dos que eu passei e os de outras pessoas. Em meio a escrita, correções textuais e orientações didático-pedagógicas para os outros redatores, se colocar no lugar do aprendiz é primordial. No dia a dia, as explicações precisam ser dadas de forma que não gerem mais dúvidas ou que provoquem algum tipo de reflexão. Ou o mais próximo possível disso. 

Ao buscar conhecer as dificuldades, experiências e até mesmo os medos do aluno, podemos desenvolver estratégias específicas para construir caminhos de aprendizagem mais personalizados. Seja por meio da categorização de conhecimento, simplificação de palavras ou conteúdo, microlearning, dentre outros recursos. 

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Imagine o tanto de informações que temos em nossas cabeças. Tantos termos, imagens e conhecimentos condensados em um só ponto em nossa mente, como um novelo de lã. Se não começarmos a puxar o fio da ponta, por mais que o novelo esteja enrolado e crescendo cada vez mais com tantas ideias, ele começa a ficar irregular.

O fio se perde. A faísca que coloca nossa mente em ordem vai junto. Não sabemos nem por onde começar. 

Com isso, tomei para mim como desafio pessoal e profissional a melhor forma de colocar esses pensamentos em ordem. Da mesma maneira que eu descubro e moldo a minha própria maneira de aprender todos os dias, outras pessoas também podem fazer o mesmo, de acordo com suas próprias características. Elas ainda só não se deram conta disso ainda.

A inquietude (mesmo em meio ao vendaval) é uma companheira que traz respostas e caminhos incríveis a longo prazo. 

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