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A era de ouro das big techs chegou ao fim?

Demissões em massa refletem momento de instabilidade econômica e levantam questionamentos sobre o futuro do mercado de tecnologia

Quem acompanha as notícias do mercado digital já sabe: nos últimos meses, várias das maiores empresas de tecnologia do mundo foram protagonistas de demissões em massa. Gigantes como Google, Meta, Microsoft e Amazon demitiram, juntas, dezenas de milhares de trabalhadores. De acordo com um relatório da consultoria Challenger, Gray & Christmas divulgado no início do ano, as demissões no setor global de tecnologia aumentaram 649% em 2022 na comparação com o ano anterior, e a crise deve seguir em 2023.

Em janeiro, a Alphabet, empresa dona do Google, anunciou a demissão de 12 mil funcionários. Antes dela, a Microsoft já havia comunicado que demitiria 10 mil empregados. Desde novembro, a Meta demitiu mais de 20 mil colaboradores e congelou vagas abertas, e nos últimos três meses a Amazon confirmou o corte de quase 30 mil postos de trabalho. A Apple, que até então era a única invicta de dispensas, anunciou recentemente que vai demitir equipes responsáveis pelo varejo corporativo. A empresa não divulgou números, mas segundo a Bloomberg, o corte deve ser pequeno, se comparado aos realizados nas outras companhias.

Mas, afinal, quais os motivos por trás dessas demissões e como elas podem impactar as nossas vidas enquanto usuários?

A fonte do “dinheiro infinito” secou?

Alguns fatores importantes precisam ser considerados para compreender a onda de demissões nas big techs. Até 2020, o planeta viveu uma década extremamente favorável para investimentos de risco, com juros negativos em grande parte dos países desenvolvidos. A chegada da pandemia, no entanto, começou a transformar essa realidade.

Com a alta da inflação, os  bancos centrais de todo o planeta – especialmente o FED, banco central norte-americano – tiveram que começar um processo acelerado de escalada dos juros, que foi ainda mais acentuado pela guerra da Ucrânia. As empresas de tecnologia, que tradicionalmente precisam de dinheiro para financiar seu crescimento exponencial, passaram a ser pressionadas pelos investidores para gerar retorno mais rápido.

Fernando Moulin
Fernando Moulin, especialista em transformação digital, inovação e gestão da experiência do cliente. Foto: acervo pessoal

“O custo do capital ficou mais alto no mundo como um todo. As empresas de tecnologia atuam em um setor de crescimento acelerado e precisam de aportes para financiar essa expansão, mas os juros altos acabam por inibir os investimentos em empresas de risco”, explica Fernando Moulin, um dos principais especialistas do país em transformação digital, inovação e gestão da experiência do cliente.

Filipe Garcia, head de Aceleração e Portfólio da aceleradora de startups WOW, diz que muitas empresas levantaram dinheiro quando o acesso a capital de risco estava aquecido, mas adotaram estratégias que não trouxeram os resultados esperados. Esse cenário deu origem a uma série de incertezas nas big techs, que passaram a não saber mais se teriam acesso a novas rodadas de investimentos. “Boa parte dos capitalistas de risco que estão há bastante tempo no mercado já chamavam a atenção para a irracionalidade do valuation dessas companhias, que estavam captando dinheiro a um valor muito acima do que estavam de fato valendo, com análises pouco racionais dos seus múltiplos e das suas receitas”.

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Filipe Garcia, head de Aceleração e Portfólio da aceleradora WOW. Foto: acervo pessoal

Moulin explica que outro fator importante a ser considerado é que, em linhas gerais, as grandes empresas de tecnologia ampliaram muito seus quadros de colaboradores para fazer frente à demanda provocada pela pandemia. “De uma hora para outra, tudo começou a ser digital. Essas empresas, pressionadas por seus usuários e acionistas, precisaram responder rapidamente. Estava havendo uma guerra por talentos no mercado, então muitas empresas, incluindo as big techs, contrataram profissionais num ritmo bastante acelerado e mais rápido que a média histórica”.

Para o especialista, no entanto, as demissões surpreendem não pelos números em si, mas pelo fato de as empresas de tecnologia sempre terem sido vistas como um porto seguro, com empregabilidade infinita. “O quantitativo de colaboradores demitidos é realmente alto, mas quando se olha percentualmente, considerando o total de pessoas que trabalham nessas empresas, estamos falando em algo em torno de 6% ou 7%, o que não chamaria a atenção se fosse em uma empresa de um segmento tradicional”, diz.

Os salários inflacionados da área de tecnologia também são apontados como agravantes. “Num cenário de custo de capital mais elevado, no qual o crescimento da demanda começa a ser mais linear, não exponencial, as empresas entendem que não precisam mais pagar salários tão altos porque o mercado está mais amadurecido e a falta de profissionais não é mais tão acentuada”, explica Moulin.

O que dizem as big techs

Meta, Microsoft, Amazon e Google compartilharam conosco as notas oficiais em que seus porta-vozes comentam as demissões. Mark Zuckerberg afirma que a Meta está vivendo o “Ano da Eficiência”, achatando áreas, cancelando projetos de menor prioridade e reduzindo taxas de contratação com os objetivos de se tornar “uma empresa de tecnologia melhor” e melhorar seu desempenho financeiro em um ambiente difícil para executar sua visão de longo prazo.

Sundar Pichai, CEO do Google, diz que a empresa precisou fazer uma “revisão rigorosa” em todas as áreas e funções de produtos para garantir que “pessoal e funções estejam alinhados” com suas maiores prioridades, e que os cortes refletem o resultado dessa revisão. 

O diretor-executivo da Microsoft, Satya Nadella, compartilhou um comunicado com os funcionários em que afirma que a empresa está alinhando sua estrutura de custos à receita e investindo em áreas estratégicas para o futuro. Nadella afirmou ainda que as decisões “são difíceis, mas necessárias”, e que está confiante “de que a Microsoft sairá disso mais forte e competitiva”.

O comunicado do CEO da Amazon, Andy Jassy, diz que a empresa está trabalhando para apoiar as pessoas afetadas e que continuará resistindo a cenários econômicos incertos, como já fez no passado.

Impactos para os usuários

Com tantas reestruturações nas principais controladoras dos serviços de tecnologia atualmente, fica a questão: essas demissões podem impactar de alguma forma a vida dos usuários?

Moulin acredita que haverá, sim, um reajuste da estrutura de custo dos serviços de tecnologia, mas que as demissões não são as responsáveis por esse fenômeno. “Até a massificação desses serviços ocorrer, havia muito dinheiro para financiá-la, porque existe aquela questão clássica que diz: quando o produto é de graça, na verdade, o produto sou eu”. Segundo ele, no entanto, as questões relativas à privacidade dos usuários vão forçar a indústria de tecnologia a mudar esse paradigma, podendo levar a uma eventual cobrança por produtos e serviços que hoje são gratuitos.

Em relação a uma possível instabilidade nos serviços, o especialista diz que tudo depende de como essa estratégia de reajuste organizacional vai ser empreendida pelas companhias. “Enquanto você tem, por exemplo, a Amazon, que passou por ajustes mas que, até o momento, não impactou os usuários de qualquer forma, você vê o Twitter, que passou por uma reviravolta nada gentil. A forma como o colaborador é tratado nessas situações tem consequências, porque o serviço fica pior. O Twitter é o clássico exemplo do que o ego corporativo pode causar”, ilustra.

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Segundo ele, as ferramentas de Inteligência Artificial também podem contribuir para a expansão do chamado “ecossistema de desinformação”. “São ferramentas ultra poderosas, capazes de gerar deep fakes, e a gente tem uma sociedade que não foi preparada para fazer as perguntas certas. A tecnologia vai botar na palma da mão de qualquer pessoa – bem ou mal intencionada – um arsenal poderoso de multiplicação de fake news, e isso pode ser potencialmente danoso”, alerta.

Garcia, por sua vez, é mais otimista em relação ao uso da IA no nosso dia a dia: “talvez tenhamos até que passar por um processo de educação para aprender a usar todo o poder que essa tecnologia nos entrega. O cenário é desafiador de maneira geral, mas muito positivo para os usuários, que terão cada vez mais acesso a produtos e serviços”, diz.

O que podemos esperar para 2023?

Moulin afirma que a automação de funções deve ganhar força este ano com a escalada da IA generativa, podendo levar a novos ajustes nas big techs. “Ainda existem questões regulatórias que precisam ser ajustadas, mas acredito que assim que elas se resolvam, a IA vai trazer uma revolução na maneira como a gente trabalha, pensa, produz e isso pode ter impactos nos quadros organizacionais, não só nos empregos de tecnologia como quaisquer outros”, aposta.

Apesar de enxergar mais cortes nas grandes empresas nos próximos meses, ele diz que os profissionais de tecnologia não deverão ficar ociosos no mercado. “Esses profissionais estão cheios de oportunidades para voltar a trabalhar em empresas tradicionais, que precisam continuar se digitalizando e estão carentes de pessoal qualificado”, aponta.

Garcia concorda, e reforça que as startups podem se beneficiar desse movimento. “A gente também precisa olhar a situação pela lente do ‘copo meio cheio’. As startups early stage estão crescendo e vão precisar de colaboradores experientes para ajudar nas suas operações. Além disso, muitas dessas pessoas têm plenas condições de empreender, desde que tenham um propósito forte e vontade de querer construir algo grande e significativo no longo prazo”.

Para quem optar seguir pelo caminho do empreendedorismo, é importante ter em mente que o ano promete ser desafiador, mas que com boas ideias e uma boa gestão de caixa é possível, sim, entregar valor e ser bem sucedido. “Manter o otimismo é importante. Essa não é a primeira crise que enfrentamos, nem será a última, ainda mais para quem é brasileiro. Agora é apertar os cintos e aguentar esse período, porque daqui a pouco ele passa”, conclui Moulin.

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